Artigo do leitor: “Restringir, debilitar, atacar e destruir”

                                              
                  juiza


A juíza federal Thalynni Lavor é mais uma a demonstrar todo seu repúdio contra a Câmara dos Deputados, pelas mudanças no Pacote Anticorrupção aprovados esta semana.

Confiram:

No Brasil, a corrupção infiltrou-se nas estruturas de poder de forma crescente, gradual e endêmica. A ONU estima que anualmente 200 bilhões de reais são desviados no Brasil. Valores que deixam de ser aplicados em saúde, educação, segurança, infraestrutura de transporte, fomento de criação de empregos e renda.

Os órgãos de controle começaram a incomodar os Chefes do Poder Político e Econômico. A população começou a reagir.

Os corruptos (de todos os partidos), conjuntamente com os grupos privados favorecidos com os esquemas públicos, passaram a temer serem responsabilizados por seus crimes. Para garantir a impunidade, incentivaram a divisão.

Categorias profissionais e grupos familiares foram sendo coloridos com tons diferentes. Professores, estudantes, servidores públicos, médicos, empresários, empregados, juízes, advogados, jornalistas, escritores foram sendo etiquetados em caixas separadas (juntos seriam fortes!).

Em seguida, passaram a ser excluídos direitos de cada grupo. Apontando que a responsabilidade era do grupo opositor. As pessoas foram sendo separadas, e foram se separando. Tangidas como se fossem animais em currais diversos.

Cidadãos com iguais interesses de que a moralidade e a ética sejam diretrizes para o agir do Estado, e que os recursos públicos alcançassem seus reais destinatários, passaram a ver uns aos outros como inimigos e responsáveis por seus males.

Quanto mais fragmentado, mais fácil impedir reação! As trincheiras foram sendo inseridas nos grupos de amigos, familiares. Quanto mais dividido, mais fácil excluir direitos e garantias. Mais fácil asfixiar a voz!

Neste ínterim, os políticos reunidos (independentemente da cor da bandeira) aprovam leis que garantem a impunidade dos crimes que cometeram.

Pior! Aprovam leis que amordaçam as instâncias de controle e garantem que eles possam continuar cometendo novos crimes, enriquecendo ilicitamente e saqueando os cofres públicos!

Aproveitaram-se do choro da torcida unida para apresentar cartada de surpresa. Calar a Magistratura e o Ministério Público. Calar especialmente a primeira instância que ingressou no serviço público, por concurso, com o mais alto rigor de avaliação de meritocracia.

Os juízes e representantes do Ministério Público que cometem crimes, que praticam atos de corrupção, os que se utilizam do cargo para obter vantagens indevidas devem ser punidos. E as Medidas de Combate à Corrupção, as quais tiveram apoio popular, criam mecanismos para que isso ocorra de forma mais efetiva.

Já os demais, aqueles que trabalham seriamente para cumprir seu ofício, precisam de independência e autonomia para garantir o cumprimento da lei e da Constituição. Criminalizar interpretação ou amarrar suas mãos, deixando-os à mercê do ataque direto daquele que cometeu os crimes e, quer continuar cometendo, é inaceitável em qualquer país democrático. É impedir que cumpram seu dever. Hipótese em que também estarão cometendo crime, desta feita, por desídia. Como disse a Ministra Carmem Lúcia: “Juiz sem independência não é juiz. É mero carimbador de despacho”.

A OAB é uma entidade de direito público com importância fundamental na redemocratização do país e na manutenção do Estado Democrático de Direito. Seu papel constitucional e institucional, como função essencial da Justiça, sobrepuja (ou pelo menos deve sobrepujar) os interesses corporativos de uma classe.

Violar as garantias institucionais com todas as instâncias de atuação da Justiça reunidas na defesa da Carta Constitucional seria mais difícil. Melhor dividir! Por isso, acresceram crimes que, a priori, parecem fortalecer a categoria dos advogados. Quando, na verdade, os enfraquece na medida em que há impossibilidade de julgamento justo, equânime e independente de forças políticas e econômicas.

Uma nação inteira dividida como torcidas rivais, enquanto os direitos de todos são violados. Professor não pode ensinar. Questionar. Discutir. Médicos passam a ser os responsáveis por todas as falhas do sistema de saúde (e não a má gestão, os desvios e a ausência de estrutura). Bolsistas não podem fazer suas pesquisas. Juiz não pode decidir. Promotor não pode investigar. Advogado não pode postular direitos, ou até postular, mas sem qualquer eficácia! (já que o juiz não pode decidir).

Indivíduos colocados uns contra os outros, como se algum time conseguisse jogar sozinho! E, como no poema Intertexto de Bertold Brecht, cada um vai sendo calado isoladamente: “Primeiro levaram os negros. Mas não me importei com isso, eu não era negro. Em seguida levaram alguns operários. Mas não me importei com isso. Eu também não era operário. Depois prenderam os miseráveis. Mas não me importei com isso. Porque eu não sou miserável. Depois agarraram uns desempregados. Mas como tenho meu emprego, também não me importei. Agora estão me levando. Mas já é tarde. Como eu não me importei com ninguém, ninguém se importa comigo”.

Enquanto os grupos brigam entre si, lutando isolados para serem ouvidos, os políticos, independente da cor da agremiação, e os grandes empresários favorecidos com os crimes assistem de camarote e brindam com champanhe importado…



Thalynni Lavor/Juíza Federal – PE

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