Raí de Souza admitiu à polícia ter sido responsável por divulgação, na internet, de imagens de adolescente que afirma ter sido vítima de estupro coletivo no Rio (Foto: Daniel Silveira/G1)
A Polícia Civil ouviu na noite desta sexta-feira (27) um jovem que diz ser responsável pela divulgação, na internet, das imagens da adolescente que denunciou ter sido vítima de estupro coletivo no Rio. Identificado como Raí de Souza, o rapaz, de 22 anos, não estava entre os suspeitos identificados até então pela polícia como envolvidos no caso.
"A versão dele aponta que ele filmou e que quando ele comenta que 'trinta passaram aqui' que estava fazendo referência a um funk", disse o delegado Alessandro Thiers, titular da Delegacia de Repressão a Crimes de Informática (DRCI), que investiga o caso.
Raí compareceu à Cidade da Polícia juntamente com Lucas Perdomo Duarte Santos, de 20 anos, jogador de futebol que a adolescente disse à polícia ser seu namorado e com quem ela teria saído na noite anterior ao ocorrido. Segundo o delegado, Lucas negou namorar a garota e Raí foi quem assumiu ter tido relações sexuais com ela.
Raí, que chegou na delegacia acenando para fotógrafos e cinegrafistas, ironizando a "fama" do amigo Lucas, não quis falar com a imprensa. Seu advogado, Claúdio Lúcio, confirmou que ele admitiu ser autor das imagens, mas negou que tenha ocorrido estupro (veja no vídeo).
"Ele falou o quê, tá lá no depoimento dele, que ele realmente tinha filmado, que ele tava falando que 'é dos 30', tentando se vangloriar, mas que realmente não foi ele, que não houve estupro, houve um ato sim, permitido pela suposta vítima", disse o advogado.
O advogado que representa Lucas, Eduardo Antunes, também negou que tenha ocorrido estupro. Questionado sobre a citação no vídeo divulgado com as imagens da vítima nua e desacordada de que 30 homens teriam praticado ato sexual com ela, ele também disse se tratar de uma menção a uma música conhecida na comunidade onde o caso ocorreu.
“A questão dos 30 foi que existe um rap conhecido na comunidade que exalta um dos personagens lá do local dizendo que ‘o fulano é o cara, engravidou mais de 30’. Foi isso que me foi passado, eu não conheço o teor da música”, disse Eduardo.
Além de Raí e Lucas, o delegado Alessandro Thiers ouviu nesta sexta-feira uma garota que disse ter se relacionado sexualmente com Lucas na mesma noite e no mesmo local onde a adolescente e Raí mantiveram relações sexuais. O imóvel, que segundo o delegado é denominado como "abatedouro" [lugar usado para sexo], localizado na comunidade do Morro do Barão, na Zona Oeste do Rio, foi periciado após operação policial na tarde desta sexta.
Novos depoimentos na próxima semana
Segundo Thiers, mais três pessoas serão ouvidas na próxima semana para ajudar a polícia a esclarecer o caso. O delegado, no entanto, não disse qual seria o envolvimento dessas três pessoas e enfatizou o empenho das investigações para elucidar o estupro coletivo.
O delegado afirmou que, por enquanto, só é possível afirmar a ocorrência do crime previsto no artigo 241 do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) para quem divulga imagens pornográficas envolvendo menores - a pena prevista nestes casos pode ser de até seis anos de prisão.
Em coletiva realizada no começo da tarde, no entanto, o chefe da Polícia Civil, Fernando Veloso, afirmou haver "indícios veementes" de que houve estupro. “Há indícios, veementes, de que de fato houve. Mas a polícia pode afirmar e assinar um documento dizendo que houve? Ainda não. Precisa de um resultado de um laudo, precisa do confronto do laudo com outros depoimentos que ainda não aconteceram. A presunção da polícia não se baseia em ‘ouvi dizer’. Se a polícia se baseasse nisso, três ou quatro deles já estariam mortos como foi amplamente divulgado em vários sites e redes sociais”, declarou Veloso.
Vítima prestou novo depoimento
A adolescente prestou novo depoimento à Polícia Civil na tarde desta sexta-feira (27). De acordo com a delegada Cristiana Bento, da Delegacia de Atendimento a Criança e Adolescente Vítima (DACV), a menina conversou com um psicólogo e prestou depoimento no sistema de "relato livre".
'Esse crime não ficará impune', garante ministro
O ministro da Justiça e Cidadania, Alexandre de Moraes, garantiu na noite desta sexta-feira que o estupro coletivo praticado contra a adolescente não ficará impune. Ao lado dele, o secretário de Segurança Pública do Rio, José Mariano Beltrame, diz que "falta detalhe jurídico" para pedir prisão de suspeitos de envolvimento no caso.
"Nós temos absoluta certeza que esse crime não ficará impune e que todos os envolvidos serão presos e condenados", afirmou Moraes após se reunir com Beltrame no Centro Integrado de Comando e Controle, no Rio.
Questionado sobre por quê a Polícia Civil ainda não pediu a prisão dos envolvidos no caso que já foram identificados, Beltrame afirmou que faltam "detalhes jurídicos" para isso.
"Se o delegado que preside o inquérito não pediu as prisões, podem ter certeza de que faltou algum elemento que fundamente o pedido", disse o secretário.
Beltrame enfatizou o caráter criminoso de todos os envolvidos no caso. "Seja quem praticou o ato ou quem divulgou as imagens, todos são criminosos e serão presos. É preciso sempre reforçar que a adolescente é vítima", destacou.
O secretário confirmou uma operação policial foi realizada na tarde desta sexta-feira na região da Praça Seca, em Jacarepaguá, ligada à busca pelos estupradores da jovem, mas não quis dar detalhes da ação.
O ministro da Justiça e Cidadania reiterou que o governo do Rio de Janeiro terá todo o apoio do governo federal para investigar o caso. "Coloquei a Polícia Federal à disposição, mas estou certo de que a Polícia Civil tem totais condições de esclarecer esse crime bárbaro, que agride a todos nós", ressaltou Alexandre de Moraes.
O ministro também anunciou que se reunirá com todos os secretários estaduais de segurança na próxima terça-feira (31) para estabelecer uma agenda conjunta de combate à violência contra as mulheres e o grande número de homicídios. "Espero que na próxima terça-feira já possamos anunciar a formatação de um departamento de combate à violência contra a mulher no âmbito da Polícia Federal”, disse.
Adolescente de 16 anos deixa o hospital Souza Aguiar com a mãe após estupro coletivo no Rio (Foto: Gabriel de Paixa/Agência O Globo)
O crime
A jovem contou aos investigadores que foi para casa de táxi na terça-feira (24). Ela admitiu que faz uso de drogas, mas afirmou que não utilizou nenhum entorpecente no sábado.
Na terça (24), ela descobriu que imagens suas, sem roupas e desacordada, circulavam na internet. A jovem contou ainda que voltou à comunidade para buscar o celular, que fora roubado. Um agente comunitário foi quem a acolheu, ao perceber como ela estava, e a conduziu para junto da família novamente.
Os parentes só souberam do estupro na quarta-feira (25), após tomarem conhecimento que fotos e vídeos exibindo a adolescente nua, desacordada e ferida estavam sendo compartilhados pelos agressores.
A adolescente passou por exames de corpo de delito no Instituto Médico-Legal nesta quinta (26) e foi levada para o Hospital Souza Aguiar, no Centro, onde passou por exames e tomou um coquetel de medicamentos para evitar a contaminação por doenças sexualmente transmissíveis.
Família abalada
Está marcada para segunda-feira (30) uma reunião entre a família e o secretário de Assistência Social do Rio, Paulo Melo, para avaliar se há necessidade de proteção policial.
A família da adolescente está abalada. “Eu e a mãe, a gente chora quando vê o vídeo. O pai dela não aguenta falar que chora muito. Nosso sentimento é de tristeza, de indignação, estamos estarrecidos de ver até que ponto chega a maldade humana, né. A família está, assim, sem palavras, consternada”, desabafou a avó da garota.
Um dos parentes disse que a família ainda se sentiu aliviada pela vida da garota ter sido poupada. “Esse agente comunitário que veio trazê-la [para casa] eu acho que ele foi uma pessoa que salvou a vida dela, porque eles iriam matá-la. Porque é isso que eles fazem, né. Não é normalmente a história que a gente conhece? Eles estupram e matam”, disse a parente da adolescente.
“Um deles é namorado dela, tinha sido namorado dela, que ela conheceu na escola. E isso foi uma vingança dele. Ele fez isso com ela e chamou mais 30 para fazer o mesmo. O pai dela nem aguenta falar que chora muito. Um ser humano que é capaz de fazer isso com uma menina de 16 anos só, cheia de sonho, né? E eles fazem isso. A família está assim, sem palavras”, lamentou o parente da garota.
Jovem vítima de estupro no Rio deixou mensagem em rede social (Foto: Reprodução/Facebook)
Desabafo na internet: 'Dói na alma'
Na noite desta quinta (26), ela já havia feito seu primeiro pos sobre o tema. “Venho comunicar que roubaram meu telefone e obrigada pelo apoio de todos. Realmente pensei que seria julgada mal”.
Status das investigações
O chefe da Polícia Civil do Rio, Fernando Veloso, disse, nesta sexta, que há "indícios veementes" de que houve estupro, mas a corporação ainda investiga detalhes do vídeo, aguarda laudos e depoimentos. Entre as questões, a polícia quer saber se o crime aconteceu no lugar da filmagem e quantos suspeitos teriam participado.
Até a tarde desta sexta, a prisão de nenhum dos suspeitos tinha sido pedida. O chefe da Polícia Civil afirmou que é preciso cautela para, por exemplo, determinar quantos são os envolvidos no crime. Ele comentou ainda que a cautela é a mesma que não permite que a polícia, apenas a partir de fotos de corpos divulgadas em redes sociais, considere que três ou quatro suspeitos tenham sido mortos.
Estupros no Rio
Segundo os dados mais recentes do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, foram registrados 47.646 estupros no país em 2014. O número representa uma queda em relação ao registrado em 2013 (50.320) - mas, ainda assim, equivale a um caso a cada 11 minutos, em média, no país. Os números incluem também os estupros de vulnerável, crime cometido contra menores de 14 anos.