Com um terno escuro, camisa branca e gravata roxa, indumentária bem diferente do uniforme branco de detento que veste há 16 meses, o operador Lúcio Funaro chegou pouco antes das 9 horas à 10ª Vara da Justiça Federal em Brasília. Nem a presença à mesa de seu parceiro de negócios ilícitos por mais de dez anos, o ex-deputado Eduardo Cunha, do PMDB, com quem não anda muito bem, inibiu as declarações de Funaro ao juiz Vallisney de Oliveira. Entre um gole e outro de café, ele acrescentou novos detalhes às acusações de pagamento de propina ao PMDB da Câmara e ao presidente Michel Temer, que vem fazendo desde que se tornou um colaborador da Operação Lava Jato.
Na terça-feira, dia 31, Funaro acusou Temer de ter se beneficiado de uma propina de R$ 2 milhões paga pelo grupo Bertin. Disse que a história começou quando foi procurado por Natalino Bertin para ajudar na obtenção de recursos do Fundo de Investimentos do FGTS, subordinado à Caixa, a uma empresa do grupo. Funaro diz que acionou seu chefe, Eduardo Cunha, e este arranjou um encontro de Natalino com um vice-presidente da Caixa na ocasião, o hoje ministro Moreira Franco.
Segundo Funaro, diante de Natalino, Moreira telefonou ao então gerente nacional de fundos especiais da Caixa, Roberto Madoglio, e se queixou da demora na liberação do dinheiro. “Aí o projeto seguiu, foi financiado”, disse Funaro. O Bertin levou R$ 280 milhões. A fatura foi cobrada por Funaro na campanha eleitoral de 2010. “Eu chamei o Natalino Bertin e falei: ‘Ó, vocês vão ter de ajudar o PMDB’. Ele já era muito ligado ao PT. ‘Queria que nós fizéssemos um almoço para definir valores, eu, você, o Eduardo Cunha.’ Cunha perguntou se podia levar o Cândido Vaccarezza, que era o líder do PT na época”, disse o operador.
Na ocasião, além de ser fiador das nomeações do PMDB na Caixa, Temer era candidato a vice-presidente na chapa com a petista Dilma Rousseff. “Quando foi para definir como é que seria a divisão do montante que o Natalino disponibilizou, se não me engano o deputado Eduardo Cunha ficou com R$ 1 milhão; R$ 2 milhões, R$ 2,5 milhões foram destinados ao presidente Michel Temer; e um valor, acho que R$ 1 milhão, R$ 1,5 milhão foram destinados a Cândido Vaccarezza”, disse Funaro. No caso de Temer, Funaro afirma que os recursos foram repassados em doações oficiais do Bertin.
Em nota, a assessoria de imprensa do Planalto nega que a doação seja propina. “O presidente Michel Temer contesta de forma categórica qualquer envolvimento de seu nome em negócios escusos, ainda mais partindo de um delator que já mentiu outras vezes à Justiça. Em 2010, o PMDB recebeu R$ 1,5 milhão em três parcelas de R$ 500 mil como doação oficial à campanha, declarados na prestação de contas do Diretório Nacional do partido entregue ao TSE. Os valores não têm relação com financiamento do FI-FGTS”, diz a nota.
De acordo com a lei, o presidente Michel Temer não pode ser investigado ou processado por eventuais crimes citados por Lúcio Funaro, pois os fatos ocorreram antes de assumir a Presidência. Há duas semanas, a Câmara recusou ao Supremo Tribunal Federal licença para que Temer fosse investigado pelos crimes de obstrução da Justiça e organização criminosa, a ele atribuídos em denúncia feita pela Procuradoria-Geral da República com base na delação do empresário Joesley Batista, da JBS. Segundo o documento, Temer concordou com a compra do silêncio de Funaro e Eduardo Cunha. A Procuradoria afirma também que Temer era o chefe de uma quadrilha formada por integrantes do PMDB da Câmara, que se beneficiou com R$ 587 milhões em propinas. Em agosto, a Câmara já havia negado outra denúncia, na qual Temer era acusado de cometer o crime de corrupção passiva, como beneficiário dos R$ 500 mil recebidos da JBS por seu ex-assessor Rodrigo Rocha Loures.
Com a decisão sobre Temer, na semana passada o ministro Edson Fachin, do Supremo, enviou ao juiz Sergio Moro a investigação sobre os outros denunciados como integrantes da tal quadrilha do PMDB, entre eles Cunha, Rocha Loures e os ex-ministros Geddel Vieira Lima e Henrique Eduardo Alves, que não têm foro privilegiado. A acusação de que Temer atuou como chefe do grupo foi feita pela Procuradoria a partir das delações de executivos da Odebrecht. Dois deles, Márcio Faria e Rogério Araújo, relataram uma reunião comandada por Temer no dia 15 de julho de 2010, em que foi discutida a “compra do PMDB” por US$ 40 milhões para ajudar na contratação da empreiteira para um serviço de mais de US$ 800 milhões à Petrobras. Marcelo Odebrecht, por sua vez, narrou um jantar com Temer, no Palácio do Jaburu, em 28 de maio de 2014, em que ficou acertado um pagamento de R$ 10 milhões de propina para o PMDB. As acusações foram rechaçadas por Temer.
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